Neil Gaiman está de volta (gente, ele não para de lançar livros) com a sua própria versão de Hansel & Gretel ou, para nós, brasileiros, João & Maria. Desta vez com o apoio do ilustrador italiano Lorenzo Mattotti (também ganhador de um Eisner Award pela sua graphic novel Dr. Jekyll & Mr. Hyde), que traz certo horror na escuridão das imagens que acompanham a narrativa dessa obra.
COMPRE AGORA: Amazon | Submarino | Americanas | Versão em inglês (Amazon)
Você conhece o conto, certo? A história começa com um lenhador, uma esposa e seus dois filhos. Os tempos eram bons, até que a comida começou a faltar. E aí a fome veio, fazendo com que a esposa persuadisse o marido a deixar as crianças na floresta, com a defesa de que era melhor dois morrerem do que quatro.
Na primeira tentativa de abandonar as crianças, elas encontraram o caminho de casa. Na segunda, não. Desesperadas, elas buscam uma saída na floresta e acabam encontrando uma casa velha de doces, e ficando na companhia de uma velhota muito esquisita, que transforma a vida deles em pesadelo.
A escrita de Gaiman implora para que o livro seja lido em voz alta. Talvez você ache engraçado, mas é super divertido fazer as vozes :P Lembro que fiz a mesma coisa quando eu li Fortunately, the Milk, até porque tinha o apoio de um audiobook narrado pelo próprio Neil Gaiman.
Ainda que não seja uma versão nova de João & Maria, Neil Gaiman consegue dar a sua cara para o conto. Tudo bem que os contos de fadas originais já eram meio assustadores, mas o pesadelo está em cada frase, suave como um tempero bem colocado.
Talvez você ache esquisito uma mãe cogitar o sacrifício do filho, e é por isso que algumas versões do conto dão a autoria do plano a uma madrasta egocêntrica, mas Gaiman traz esse horror original de volta. O mesmo vale para o que Hansel usa para criar sua trilha. Na primeira vez em que a mãe menciona o plano, Hansel escuta e se prepara com pedrinhas fáceis de enxergar para jogar no chão, mas na segunda vez que os pais abandonam eles, Hansel nem imaginava, portanto usou o que tinha à mão: pão.
As ilustrações de Lorenzo Mattotti são um show à parte. Constantes, elas aparecem a cada duas ou três páginas de história, e nos tomam com o contraste de luz e escuridão. Os personagens são meras silhuetas, a opressão da floresta e da casa da velha (eu ia escrever bruxa, mas Gaiman não se refere a ela como bruxa, há!!, mais uma mudança) são mais importantes aqui.
A diagramação do livro também tem que ser mencionada, tem toda a cara de contos de fadas, com esses detalhes de caixa alta no início da frase, florzinhas nas laterais e tudo o mais. Além disso, a edição tem capa dura, uma peça de luxo para os fãs do Gaiman.
Outra coisa legal para ser mencionada é que, no final do livro, há um pequeno texto falando a respeito da evolução da história de Hansel & Gretel ao longo do tempo, comentando essas mudanças da mãe para madrasta, da velha para a bruxa. E também cita que a história toda sugere uma inspiração na Grande Fome de 1315, a primeira de uma série de crises da Europa que causaram milhões de mortes, marcando o fim de um período anterior de prosperidade.
E aí, você gosta dos “contos de fadas” que ganharam tantas versões durante esses anos todos? Hansel & Gretel é uma história de persistência e sobrevivência, mas também mostra o que podemos fazer em períodos de crise. Talvez abandonar um filho seja algo muito duro para se dizer, mas e quando a fome realmente aperta? O que somos capazes de fazer com os outros?
Ficha Técnica
Título: Hansel & Gretel
Autor: Neil Gaiman
Ilustrador: Lorenzo Mattotti
Ano: 2014
Editora: Toon Graphics
Páginas: 56
Skoob: adicione à lista
Compre: Book Depository | Amazon | Submarino | Americanas | Versão em inglês (Amazon)
Gaiman sendo Gaiman. Gostei da ilustração e do trabalho do livro no geral. Ver a versão de clássicos nas mãos de escritores como Neil é sempre válido. Eu to afim de começar a ler umas coisas em inglês também, tem algumas sugestão fora a Amazon?
Ótema resenha como sempre, bjss
Gaiman sendo Gaiman, exato. Gostei bastante da história, principalmente de ficar lendo ela em voz alta, ahahaha. :P
Sobre as sugestões, hummm, você diz de loja? Tem o Book Depository que não cobra frete, mas demora bastante pra chegar. Agora, se for dica de leitura, um bem legal pra começar é o The Lover’s Dictionary. E esses assim, infantis, tipo Hansel & Gretel também. :)
Beijos!
Era dica de loja, mas a sugestão pra beginners tbm é bem-vinda rsrs
AH BOM, hahaha. Amazon e Book Depository são as duas melhores, Brubs. :)
Gaiman sendo Gaiman!
Eu gosto muito da forma como ele escreve histórias “infantis”, nunca indo pelo caminho fácil e previsível. E ele tem um verdadeiro dom em fazer nossa mente ter aquela sensação de estar flutuando em direção a um mundo de sonhos. Impossível ler um conto ou livro dele e se sentir “meh”.
Falando em fábulas, Fables do Bill Willingham é outra leitura fantástica de se fazer, embora sejam graphic novels. Ótima pedida :)
Excelente resenha! \o/ Vou ler com certeza.
Oi Frodo :)
Eu adoro as histórias do Gaiman, ele torna mesmo a história mais simples em algo diferente, com a cara dele. Concordo com você: a gente fica meio “meh!”, hahaha. Sandman pra mim é o melhor exemplo.
Não conhecia esse Fables que você mencionou, mas vou atrás para conhecer. Ainda mais sendo graphic novel. :D
Abração, obrigada por dar uma passadinha aqui ;)
Hey!
Adoro o Gaiman e adoro seus posts! <3
Estou ansiosa para ver o "toque" dele em João e Maria, rs.
Interessantíssimo ele abordar essa questão da originalidade do conto, colocando os personagens "reais". Realmente, o conto de João e Maria surgiu na Europa durante a Crise Feudal – peste negra, alimentos escassos etc – e acho legal essa mistura, ou melhor, esse referencial de onde e como surgiu o conto, porque afinal, ele foi o produto de uma sociedade. E por mais incomum que nos possa parecer era comum o abandono dos filhos pelos pais, justamente por causa da vida precária em que viviam. O conto, naquele dado contexto, era super normal e apropriado, rs. E se quiserem uma dica há um historiador que trabalha com essa questão dos contos, Robert Darnton em o Massacre de Gatos nos deixa maravilhados com sua conclusão sobre Chapeuzinho Vermelho – embora criticado pela academia, ele tece uma análise super coerente e baseada em documento. Bom, mas já estou falando – e sendo chata – como uma historiadora.
Beijinhos Raquel! <3
Oi Karoline,
Nada como falar com alguém que manja de história, hahaha. É meio creepy pensar em abandonar um filho, né, mas ainda é comum, de qualquer forma. O conto é bem realista, mesmo. :(
A respeito do Darnton, adorei a dica, vou procurar mais a respeito. Tenho aqui “A Psicanálise dos Contos de Fadas”, do Bruno Bettelheim, que parece bem interessante também. Não sei se você conhece. :D
Beeeeijo, e pode deixar comentários assim sempre que quiser, hahaha. <3
O Robert Darnton cita o Bruno Bettelheim no livro, mas a crítica não é lá muito boa. Ele crítica a falta de contexto histórico que o Bruno têm, ele não leva em conta a cultura da sociedade que o escreveu, ao contrário, é anacrônico, propondo conceitos muito recentes para o conto. O que deixa a análise um pouco superficial, porém mesmo assim, acho que vale a leitura, até para entender o porque da crítica que lhe é feita.
Beijinhos!
É, bom, pretendo ler o livro do Bruno considerando que a análise é sobre a psicanálise dos contos e não apenas com uma contextualização histórica. Vamos ver no que dar. :D Beijinhos!