Cobrindo as feridas da Islândia com “Ritos de Adeus”

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Disseram que eu devo morrer. Disseram que roubei o fôlego dos homens, e agora eles devem roubar o meu. Então imagino que todos sejamos chamas de velas, brilhantes e untuosas, tremulando na escuridão e no vento que uiva; e na imobilidade do quarto eu ouço passos, passos medonhos que se aproximam, que se aproximam para me soprar e retirar a vida de mim em uma espiral de fumaça cinza. Vou desaparecer no ar e na noite. Eles nos soprarão a todos, um por um, até que só vejam sua própria luz.

Ritos de Adeus (adicione ao Skoob) é o primeiro livro da australiana Hannah Kent e tem mais verdades em suas linhas do que você supõe. Embora seja uma obra de ficção, baseia-se em fatos. Agnes Magnúsdóttir, nossa protagonista, realmente existiu e foi a última pessoa a ser executada na Islândia, quando condenada pela participação no assassinato de Natan Ketilsson e Pétur Jónsson em 1828, em Illugastadir, norte da Islândia.

Enquanto aguarda seu destino imutável, Agnes é enviada para a fazenda do oficial distrital, Jón Jónsson, que vive lá com sua esposa linha dura, Margrét, e suas duas filhas, Lauga e Steina. Horrorizados com a possibilidade de conviver com a assassina até o dia da execução, a família Jónsson evita contato com Agnes e nem mesmo a chamam pelo nome cristão. Para ser produtiva, Agnes trabalha na fazenda lado a lado com a família, e é guiada espiritualmente por Tóti, o jovem e inexperiente reverendo assistente. Aos poucos, sua verdadeira história começa a emergir entre uma conversa e outra, entre atos e laços de confiança que Agnes se permite ter com as pessoas ao seu redor.

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Foi então que notei a multidão reunida. Inicialmente não sabia por que aquelas pessoas estavam ali, homens e mulheres, criados e crianças da vizinhança, todas imóveis e olhando em silêncio. Depois entendi que não era para mim que elas olhavam. Entendi que aquelas pessoas não me viam. Eu era dois homens mortos. Era uma fazenda em chamas. Era uma faca. Eu era sangue.

Sobre a construção de Ritos de Adeus, acredito que a narração em primeira pessoa de Agnes carregaria a história muito bem sozinha. Os pensamentos e sentimentos dela são fortes, bem colocados e rola uma identificação quase imediata com o leitor. Meu único problema foi lidar com a alteração constante de primeira para terceira pessoa e os diálogos crus da autora. Especialmente porque tudo o que Agnes construía quando tinha espaço era posto em cheque pela perspectiva dos outros personagens. Eles sugeriam características pontuais de sua personalidade, mas não voltavam à isso posteriormente. Perdeu-se. Não dá para saber tudo o que aconteceu, é claro, e Hannah se vale disso para tapar algumas imperfeições de sua história.

Hannah Kent ouviu a história de Agnes pela primeira vez quando tinha 17 anos e passou um ano inteiro na Islândia. As comunidades eram bem fechadas e Hannah se sentia sozinha, de fora de tudo o que estava acontecia, e seus sentimentos de alienação só se intensificaram ao enfrentar a neve, o frio e as noites escuras. Quando conheceu a história de Agnes, ficou curiosa para saber o que ela tinha feito e o que realmente havia acontecido. Essa solidão enfrentada pela autora certamente serviu de base para moldar os sentimentos da mulher no livro.

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Lembranças mudam como neve ao vento, ou são um coral de fantasmas falando um acima do outro. Sempre há uma sensação de que o que é real para mim não é real para os outros, e partilhar uma lembrança com alguém é arriscar escurecer minha crença em algo que realmente aconteceu.

Com uma bela e triste interpretação dos assassinatos e execuções de Illugastaðir, baseados em anos de pesquisa e documentos de paróquias, publicações locais, histórias de moradores, Ritos de Adeus é um relato romanceado de algo que poderia apenas ser um acontecimento histórico. Ela deu corpo e vida à Agnes. Apesar de não ter me conquistado por inteiro, é uma bela viagem à Islândia do século 19 e ao coração do ser humano, que não mudou nada com o passar do tempo.

Curiosidade: Fiquei sabendo que o livro pode virar filme e contar com Jennifer Lawrence no papel principal. Será que vinga? :)

Ritos de Adeus foi cedido pela Glovo Livros ao Pipoca Musical como item de parceria. Acompanhe as novidades da editora nos canais:
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Ficha Técnica

Título: Ritos de Adeus
Autor: Hannah Kent
Editora: Globo Livros
Páginas: 320
Ano: 2013
Compre: Americanas | Submarino
Skoob: adicione ao Skoob

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Comentários

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4 comentários via blog

  1. Oi Pipoca!!!

    Esse livro me conquistou muito… Realmente a narrativa em primeira pessoa foi muito impactante e realista, mas não tive esse mesmo “problema” que você teve com os diálogos. Na verdade, não lembro de ter me atentado a algo assim quando li.

    Sem dúvida um livro triste e bem realista né? Não tem como ler e ficar inerte a tanta crueldade que existe nesse mundo!

    Ah, mudando de assunto: EU BABO na sua estante.

    Bjs :)

    1. Oi querids,

      Gostei de ela ter dado corpo à história da Agnes, ter usado tanto da realidade em uma ficção. Essa questão da narrativa me incomodou bastante, me sentia distante. Mas toda vez que a Agnes falava, meu coração apertava.

      E a estante <3 Tenho ela há pouco tempo, ainda fico namorando também hahahhaa.

      Beeeijo!

  2. “Lembranças mudam como neve ao vento, ou são um coral de fantasmas falando um acima do outro. Sempre há uma sensação de que o que é real para mim não é real para os outros, e partilhar uma lembrança com alguém é arriscar escurecer minha crença em algo que realmente aconteceu”.

    Que quote maravilhoso! Sério, estou aqui me arrependendo profundamente de não ter lido esse livro quando tive a oportunidade.
    Beijos, gata! ♥

    1. É, eu não selecionei muitas quotes ao longo do livro, mas as que eu marquei pra revisitar de vez em sempre são bem lindas. :))) A Agnes narra muito bem, ela devia ter escrito a história toda, seria ótimo. Bjs <3