Falar sobre J.R.R. Tolkien não é uma missão fácil. O escritor africano nascido em 1892 é uma das mentes mais criativas que a literatura já teve o prazer de conhecer. Seus livros inspiraram leitores ao redor do mundo e levaram muitos de nós a desbravar terras desconhecidas junto aos hobbits. Nos apaixonamos, rimos, nos inspiramos e choramos com as histórias únicas que Tolkien criou.
Em uma toca no chão vivia um Hobbit…
O senhor da fantasia teve sua biografia escrita por Michael White (adicione ao Skoob) e publicada este ano no Brasil pela DarkSide Books (mais precisamente em junho, para a felicidade da minha wishlist de aniversário). Esse post tem uma surpresa pra vocês lá no final, mas me acompanhem.
Uma das coisas que mais curto em biografias é conhecer as motivações e o contexto das criações que nos fisgaram em algum momento. Tive essa preocupação ao fazer o especial sobre Chaplin em abril aqui no blog, pois às vezes as obras são memoráveis pela história (como é o caso de O Senhor dos Anéis, certamente), e algumas vezes elas são marcantes pelo contexto em que foram lançadas (como é o caso de Bonequinha de Luxo e Psicose, por exemplo).
Para os fãs de Tolkien, nunca é o suficiente. O verdadeiro devoto sempre quer mais – mais detalhes, mais informações. (…) Mesmo assim, é um testamento da genialidade do homem que, com alguns milhares de páginas, continua a cativar a mente de milhões (…) algo incomparável na história da literatura.
Boa parte do material que encontramos por aí sobre Tolkien, e isso é uma percepção exposta pelo próprio autor na introdução, perde tanto tempo endeusando o homem, que se esquece de mostrar o lado humano dele.
Essa percepção do jornalista contribuiu para a construção de um material completo e objetivo, que reforça as qualidades indiscutíveis de Tolkien, mas também traz à tona aspectos de sua personalidade que muita gente certamente não imaginava.
Ele viveu na pobreza, se mudou de uma casa desconfortável para outra, tinha visto e não compreendido completamente a hostilidade de seus avós com a amada mãe e sofria a perda do pai, ainda que ele fosse uma lembrança distante. Tudo isso fez dele uma pessoa adaptável e versátil de espírito (…)
O senso jornalístico de White foi bem vindo na construção da obra: em pouco menos de 300 páginas, o escritor cobriu toda a vida e as inspirações de Tolkien em capítulos objetivos que falaram sobre a infância, o primeiro amor, a paixão por línguas, a vida acadêmica, a guerra, os amigos, a religião, os livros, etc.
De pouco antes do seu nascimento até seus últimos dias de vida (e além), uma ótima narrativa é desenhada por Michael White, sem idealizar o autor (que ele tanto admira), cuidando para expor os pontos positivos e negativos da personalidade de Tolkien.
Uma mente inquieta e uma página em branco
Lá no começo conhecemos seus pais e as dificuldades de sua criação, com a ausência do pai (que trabalhava arduamente) e posteriormente com a morte precoce da mãe (1904), uma católica fervorosa que o deixou aos cuidados de um padre de quem era muito próxima.
Antes de entrar para a faculdade (1910), Tolkien se apaixonou por Edith, mas os estudos requeriam atenção máxima dele e, portanto, John foi proibido de ver sua amada por três anos. Passado o tempo, os dois se reencontraram e noivaram (1913). Quando a Primeira Guerra Mundial (1914) estourou, John serviu pela Inglaterra, mas tudo parecia muito distante até que as primeiras baixas começaram a ser contabilizadas. Essa questão de batalhas, sacrifícios e vitórias manchadas de sangue foram experiências que serviram de base para os acontecimentos de Silmarillion.
E é esse aspecto da lenda, mais do que qualquer outro, que derivou mais claramente das experiências de guerra de Tolkien. O sentido de que nunca há vitória completa e que todo triunfo sempre é manchado pela perda é um elemento poderoso no universo de Tolkien.
Michael White teve o cuidado de reunir algumas informações sobre os bastidores do processo criativo de O Hobbit, O Senhor dos Anéis, Cartas do Papai Noel, Roverandon e outras obras. Sua dedicação ao universo da fantasia era notável, tanto quanto seu perfeccionismo (para o desespero dos editores) e habilidade de conectar acontecimentos.
Em setembro de 1937, O Hobbit foi lançado e faz um sucesso tremendo. A editora, feliz com o resultado, pediu que Tolkien escrevesse mais aventuras dos hobbits e até dezembro do mesmo ano, John já tinha começado a escrever O Senhor dos Anéis, sua série de maior sucesso, composta por A Sociedade do Anel (1954), As Duas Torres (1954) e O Retorno do Rei (1955). Em 12 anos de períodos conturbados de criatividade, Tolkien concluiu sua obra, mas ainda levaram mais 5 para que o primeiro livro fosse publicado (por motivos de: teimosia, ingenuidade, mal-entendidos e outras coisas mais).
Para Tolkien, o outono e o inverno de 1943 foi o pior período na gestação de sua grande fábula. Ele havia parado completamente de trabalhar no livro e parecia incapaz de retomar (…) Tolkien não estava consciente das razões de suas dificuldades. Se ele houvesse parado para analisar o que estava fazendo, teria concluído que sua obsessão com os detalhes era simplesmente seu modo de trabalhar.
Tamanho cuidado com a obra e as conexões dos fatos no universo criado por Tolkien só reforçam sua característica mais notável: o perfeccionismo. John realmente se atentava nos detalhes a ponto de reescrever trechos inteiros já aprovados e diagramados pela editora.
White ainda traz pra pauta a conturbada (e importante) amizade de Tolkien com C. S. Lewis (As Crônicas de Nárnia), bem como as dificuldades entre John e sua primeira e única esposa, Edith. As diferenças religiosas foram motivos de atritos entre eles em diversos momentos, e até mesmo o sucesso instantâneo de Lewis após se converter ao cristianismo incomodaram Tolkien profundamente.
Gostei da biografia do Tolkien para poder conhecer melhor a mente por trás dos meus livros favoritos (e de filmes impecavelmente adaptados por Peter Jackson). Recomendo para quem gosta desse gênero e, obviamente, curte o universo criado pelo escritor.
Lewis já tinha, é claro, ouvido a maior parte de O Senhor dos Anéis, conforme este era lido em voz alta nas reuniões dos Inklings. (…) Logo após terminar o livro, Lewis emprestou-o a seu irmão Warnie. Ele levou três semanas para concluir a leitura e, quando terminou, anotou em seu diário: “Céus, que livro incrível! A criatividade inesgotável da imaginação do homem me espantou. Um livro estupendo em seu gênero”.
A edição da DarkSide Books tem 280 páginas, detalhes muito delicados na diagramação e traz algumas fotos do Tolkien em preto e branco no final, antes da cronologia detalhada da vida do escritor e de livros e links indicados pelo autor e pela editora pra quem quer saber mais sobre John Ronald Reuel Tolkien, o senhor da fantasia.
Curiosidade: em 1972, um ano antes de sua morte, Tolkien foi nomeado com a Ordem do Império Britânico e também foi nomeado Doutor Honoris Causa em Letras, na Universidade de Oxford.
Ficha Técnica
Título: J.R.R. Tolkien, o Senhor da Fantasia
Autor: Michael White
Ano: 2013
Editora: DarkSide Books
Gênero: Biografia
Páginas: 280
Skoob: adicione na sua estante