O Perfuraneve e a frieza no coração do Homem

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Nada contra aquela leitura divertida, pra se distrair e esquecer dos problemas, viajar num mundo de fantasia e viver mil aventuras. Mas devo confessar que é gratificante quando leio uma obra que me faz questionar o mundo ao meu redor, uma obra que te dá um verdadeiro tapa na cara, e mostra problemas reais e urgentes, com suas possíveis consequências catastróficas. O Perfuraneve (adicione ao Skoob) de Lob, Rochette e Legrand é uma dessas obras. E pra mim é ainda mais gratificante por se tratar de um quadrinho.

Como muitos sabem, os quadrinhos ainda são vítimas de alguns preconceitos, várias pessoas os consideram como uma forma menor de literatura. E mesmo num tempo onde várias das melhores adaptações para o cinema vem da Nona Arte (e não estou falando de super heróis), você ainda encontra alguém quem desmerece uma obra somente pelo fato dela conter “figuras”, como se ilustrações automaticamente as colocassem na categoria infantil (onde, aliás, muitas livrarias insistem em colocar quadrinhos extremamente adultos). Pra essas pessoas que ainda pensam assim eu só preciso dizer uma coisa: leia O Perfuraneve.

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“É o Expresso Perfuraneve, com seus Mil e um vagões. É o ultimo Bastião da Civilização!”

Basicamente, O Perfuraneve conta a história de um expresso movido por uma tecnologia em que seu próprio movimento gera energia para que a máquina continue se movimentando. A história se passa num universo pós apocalíptico em que o mundo foi tomado por uma Segunda Era do Gelo (A Morte Branca), onde essa locomotiva (outrora desenvolvida com fins turísticos) acaba por se tornar a única esperança da humanidade.

O que mais chama atenção na história de O Perfuraneve é seu contexto sócio-político: basicamente é um retrato intensificado da nossa própria realidade. Tal como em The Walking Dead, esse quadrinho mostra uma visão pessimista de como a sociedade se comportaria em um apocalipse. E a resposta a gente já sabe: ao invés de unir, a sociedade se segrega ainda mais, mostrando que o verdadeiro problema não é a situação em si, mas sim as próprias pessoas que levam a sociedade aos limites mais infames.

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“Na dianteira ficam os carros dourados, de puro luxo e conforto acolchoados. Na traseira, bem longe da locomotiva, se encontra apinhada a infeliz comitiva.”

O livro é dividido em três partes. A primeira é de 1984 e se chama “O Perfuraneve”, idealizada por Jacques Lob e Jean-Marc Rochette. Com a morte de Lob, Benjamin Legrand assume o roteiro das duas partes seguintes, “O Explorador” (1999) e “A Travessia” (2000), que se passam – assim como sua publicação – 15 anos depois da obra original e em um outro expresso.

É preciso dizer que a obra perde muito com a morte de Jacques Lob – a genialidade do primeiro livro não se mantém nos seguintes. Apesar de bem executados, os dois recentes volumes não alcançam o brilho do primeiro.

O Perfuraneve (1984)

Em O Perfuraneve nós conhecemos a história do “fundista” Prolof. Fundistas são as pessoas que vivem nos últimos dos mil e um vagões do Expresso, são uma espécie de gueto, pessoas em condições muito precárias e extremamente marginalizadas. Esse cidadão consegue escapar desses vagões para entrar nos demais onde vivem os burgueses. Lá ele conhece Adeline, uma jovem revolucionaria que busca justiça e igualdade dentro daquela sociedade segregadora que se instalou na locomotiva.

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A genialidade de Lob se mostra ao focar a história nas pessoas. Os personagens são extremamente bem desenvolvidos e existe uma situação que afeta a todos e dá um tom de urgência para a história. Há mais dinamismo.

Outra coisa muito bem explorada é o mecanismo dessa sociedade. Cada vagão tem sua função social e, apesar de ser um retrato da nossa sociedade, tudo é muito extremo. A história inteira se passa dentro de um trem e nos transpõe aquela sensação claustrofóbica e intensa, com situações de manipulações políticas, líderes religiosos fanáticos, prostituição, marginalização e alienação social. A sociedade retratada por Lob é tão degradante quanto real, e faz a gente olhar pro nosso mundo e ter vergonha de que certas coisas não sejam apenas ficção.

Com um roteiro bem desenvolvido e bem amarrado, atrelado com uma história pesada, O Perfuraneve é uma verdadeira viagem num mundo retratado duma forma muito crua e realista. E para coroar essa história magnífica, temos um final aterrador, daqueles que nos deixam mal e pensativos por um longo período. O Perfuraneve é memorável.

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“Nós o chamávamos de PFN, o número dois, ou o trem. Era um expresso perfura-neve muito luxuoso e de alta capacidade técnica… um desbrava-gelo, na verdade, e ponto final.”

O Explorador (1999) e A Travessia (2000)

As partes seguintes contam a história de Val (filha do comandante Kennel) e Puig Valles (um explorador condenado). Apesar de interessante, esse casal fica bem aquém da sinergia do casal protagonista do primeiro volume. Os eventos desses dois tomos se passam no expresso Desbrava-gelo, 15 anos depois da história inicial. Aqui nós temos um modelo ainda mais avançado em termos de tecnologia e sofisticação, porém a manipulação de massa continua a mesma (ainda que com outros artifícios), como uma viagem virtual para acalmar os ânimos da população.

O medo que permeia as páginas está baseado no iminente choque do expresso Desbrava-Gelo com o Perfuraneve, o que também pode não passar de uma mera desculpa para as manobras políticas dos seus governantes. Existe todo um esforço com os exploradores, uma espécie de exército que sai da locomotiva em busca de indícios de um local seguro.

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Além da falta de empatia pelos personagens destas duas partes, a história também apresenta alguns furos, mas ainda assim há uma boa conclusão – o que, pra mim, salva a obra como um todo e faz mais jus a essa continuação.

Por fim, ressalto que a primeira parte se fecha muito bem sozinha. É muito coesa e tem um desfecho impactante. As continuações, ao meu ver, não eram necessárias, mas não são de todo ruins, principalmente pelo final tão corajoso.

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“A paz… Nove na terceira posição significa: Não há planície que não seja seguida por uma escarpa, não há partida que não seja seguida por um retorno. Aquele que se mantém perseverante quando em perigo permanece sem culpa, não lamente essa verdade. Usufrua a boa fortuna que ainda possui.”

Aqui no Brasil você encontra O Perfuraneve em uma belíssima edição encadernada da Editora Aleph, já com os três tomos abordados nesse post. Além disso, a edição tem um posfácio super completo e cheio de imagens. O projeto gráfico é muito bem elaborado e apresenta a história em papel couché e capa brochura. A edição faz jus à excelente arte P&B desse clássico francês.

Existe também um filme livremente inspirado na primeira edição, chamado “O Expresso do Amanhã”. Independente de você ter visto o filme ou não (ou se gostou ou não), indico que compre e leia essa obra repleta de críticas sociais e políticas extremamente bem elaboradas, personagens humanos e bastante interessantes, conspirações e reviravoltas dignas de um grande clássico. Só tente não perder a fé na humanidade ao final da leitura.

Esse livro foi cedido pela Editora Aleph pela parceria com o Pipoca Musical. Acompanhe as novidades da Editora nos canais:
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Ficha Técnica

Título: O Perfuraneve
Autor: Jacques Lob, Benjamin Legrand e Jean-Marc Rochette
Gênero: Ficção Científica, Distopia
Páginas: 280
Editora: Aleph
Ano: 2015 (original: 1984, 1999, 2000)
Compre: Americanas | Submarino
Skoob: adicione à sua estante

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Comentários

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2 comentários via blog

  1. Dju comentou em

    Bruno, fiquei com mta vontade de ler!!!