Esvazie sua mente de modelos, formas, seja amorfo como a água. Você coloca a água em um copo, ela se torna o copo. Você coloca a água em uma garrafa, ela se torna a garrafa. Você coloca ela em uma chaleira, ela se torna a chaleira. A água pode fluir, a água pode destruir. Seja água meu amigo. – Bruce Lee
Não tinha como sair da sessão de A Forma da Água sem pensar nessa frase do Bruce Lee. Afinal, o que de fato é essa forma, se não a metamorfose de ser tudo, ao tempo de que não se é nada?
Eu seu novo longa, o mexicano Guillermo del Toro traz a história de Elisa Esposito (interpretada brilhantemente por Sally Hawkins), uma faxineira de um laboratório vigiado por militares, onde uma criatura recém descoberta nos rios da Amazônia encontra-se em cárcere. Elisa presencia o exato momento em que o ser chega aprisionado, o que desperta sua curiosidade.
Aos poucos, a protagonista – que é muda por conta de um acidente – estabelece uma comunicação com a criatura, que se mostra inteligente e dotada de uma percepção semelhante à dos seres humanos. Cria-se então um laço de afeto que aumenta com o ritmo do filme.
A princípio, a trama pode soar um tanto quanto clichê. Já vimos essa história em A Bela e a Fera, por exemplo, e outros tantos romances proibidos entre pessoas e criaturas, mas não lembro de assumir a forma que del Toro queria que assumíssemos enquanto eu assistia ao filme. A sensibilidade com a qual essa ficção trata algumas questões como preconceito, auto-estima, e aceitação do que é diferente é de marejar os olhos.
A Forma da Água, além de tudo, é um filme lindo, com uma preocupação estética já característica do diretor. Cada detalhe e cada cena tem uma leveza, um esmero ímpar. Não à toa está indicada em 13 categorias do Oscar – e é meu favorito em muitas delas.
A fábula, apesar de um tom muitas vezes caricato, em nada atrapalha a imersão do telespectador. Somos tomados pela beleza do filme e das excelentes interpretações, e seguimos, ainda que relutantes de início, acreditando nesse romance mais do que improvável e bizarro.
Temos também uma boa atuação de Richard Jenkins no papel de Giles, o melhor amigo de Elisa, cujo arco conversa diretamente com o principal, servindo como uma das muitas interpretações que se pode tirar da relação de Elisa com a criatura. E também Michael Shannon como Richard Strickland, o homem obstinado a cumprir seu dever, que acaba sendo um personagem com uma estrutura comum, mas que serve à intenção do filme.
Tenho apenas uma ressalva com relação à Octavia Spencer, uma atriz da qual eu gosto muito. Ela foi indicada como Melhor Atriz Coadjuvante pelo papel de Zelda Fuller, colega de Elisa, mas, honestamente, achei o papel (veja bem, o papel e não a atuação) bem mediano. A personagem demonstra pouca profundidade e, na maior parte do filme, serve somente de alívio cômico. Um verdadeiro desperdício do potencial dessa atriz.
A água, por vezes, é usada como metáfora para o subconsciente – como explica o excelente vídeo do Quadro em Branco, que coloquei acima – e, aqui, ela assume várias formas. Particularmente, senti que a grande mensagem do filme trata-se de auto aceitação e entrega, de se despir das formas que a sociedade insiste em nos encaixar, e nos deixar mergulhar em nós mesmos. Precisamos nos entender mais profundamente para, então, sermos de fato livres.
Ao fim da película, o que sobressai é o aconchego e o coração acalentado pela certeza de que, apesar das lutas e percalços da vida, encontra-se dentro de nós o poder de ser feliz.
Ficha Técnica
Título: A Forma da Água
Diretor: Guillermo del Toro
Ano: 2018
Gênero: Fantasia
Duração: 120 minutos