O Lobo do Mar e as demãos de tinta que todos nós recebemos

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– E ele nunca filosofou sobre a vida – acrescentei.
– Não – respondeu Wolf Larsen, com um indescritível ar de tristeza. – E ele é mais feliz assim, deixando a vida em paz. Está ocupado demais vivendo a vida para pensar nela. O meu erro foi ter um dia aberto um livro.

Com tantos best sellers invadindo as prateleiras das livrarias, de vez em quando é bom pegar alguma história clássica e ver o que os autores tem para nos ensinar. E posso dizer que o livro O Lobo do Mar (adicione no Skoob), escrito por Jack London em 1904, tem muito, muito, muito a fazer pelas nossas almas. :)

A história é narrada por Humphrey van Weyden, um homem que sobreviveu a um naufrágio em alto mar ao ser resgatado pela escuna Ghost, comandada por Wolf Larsen que tem como objetivo caçar focas. Só que, ao invés de salvar o náufrago e deixá-lo no porto mais próximo, Wolf o obriga a se integrar na tripulação e trabalhar duro para merecer a cama em que dorme.

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– Leio a imortalidade em seus olhos – respondi abrindo mão do “senhor”, a título de experiência, pois julguei que a intimidade da conversa o dispensava.
Ele não reparou.
– Com isso, se entendi bem, você quer dizer que vê algo vivo, mas que não necessariamente viverá para sempre.
– Leio mais do que isso – enfatizei.
– Então você está lendo a consciência. Está lendo a consciência que a vida tem de que está viva. Mas nada além disso, não uma vida infinita.

Em uma situação completamente nova, Van Weyden tenta sobreviver às hostilidades da tripulação do Ghost composta por homens que, em essência, tiveram muito menos oportunidades em uma vida inteira do que Humphrey no último ano.

Adaptação é a palavra-chave para nosso personagem.

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O que eu podia fazer? Acabar violentamente espancado, ou talvez morto, não ajudaria a resolver meu caso. Encarei aqueles olhos cinzentos e cruéis. Poderiam muito bem ser de granito, pois não continham a luz e o calor da alma humana. A alma se agita nos olhos de alguns homens, mas os dele eram desoladores, frios e cinzentos como o próprio mar.

Desde o momento em que se conhecem, Larsen e Van Weyden travam batalhas e demora para nosso narrador compreender a alma do Lobo do Mar. Aos poucos percebemos como ele cresce. Somos como Humphrey: preguiçosos, acostumados à boa vida em terra, analfabetos na língua do mar. E Wolf Larsen é nosso professor nessa viagem.

[LEIA+: Leia o primeiro capítulo do livro O Lobo do Mar no site da Zahar]

Wolf Larsen é um homem duro, frio, prático e impecavelmente inteligente. Na frente dos seus homens age como um cachorro louco que se impõe na base da porrada com métodos questionáveis. Quando está sozinho, porém, ele se mostra um erudito que não acredita em imortalidade ou valor da vida humana. Para ele, é tudo relativo. A única certeza é a de que o mais forte sobrevive, e ele não pretende ser um homem fraco.

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– Você parecia nervoso essa tarde – ele abriu a conversa. – Qual o problema?
– Foi por causa da forma brutal como trataram o garoto.
Ele deu uma risadinha.
– É como enjoo marítimo, acho. Alguns homens são suscetíveis, outros não.
– Não é assim.
– É bem assim. – ele insistiu. – A terra é tão repleta de brutalidade quanto o mar de movimento.
(…)
– Mas você zomba da vida humana. Será que não é capaz de lhe dar nenhum valor?
(…)
– Ora, se oferta e demanda fazem algum sentido, a vida é a coisa mais barata que existe. Há uma quantidade finita de água, de terra, de ar; as a vida que exige nascer é infinita.
(…)
– Você leu Darwin – falei. – Mas você o interpreta mal quando conclui que a luta pela existência sanciona a sua destruição gratuita da vida.

Sinceramente, a mente analítica do capitão é o que mais encanta ao longo das quase 400 páginas desta excelente obra. Em alguns momentos, Wolf apresenta sinais de depressão e fraqueza, como quando cita a simplicidade com que seu irmão, Death Larsen, enxerga o mundo. “Meu erro foi um dia ter aberto um livro”, ele diz – uma nota do autor de como os livros podem te ajudar a conhecer o mundo e como essa insaciável curiosidade pode frustrar.

O Lobo do Mar não tem uma leitura muito fácil, muito embora a tradução contemporânea de Daniel Galera (siiim, o Galera traduziu o livro!) esteja excelente. É que a obra de Jack London não é daquelas que você lê numa paulada só. Requer paciência, atenção, tempo para assimilar as passagens e filosofar junto ao protagonista. Sem isso, a experiência não é completa.

A edição da Zahar é espetacular, não só pelo visual incrível (me apaixonei pela capa dura e pelos desenhos), mas também pelo cuidado de enriquecer a leitura com notas de rodapé comentando personagens, origens, inspirações, filósofos e comparações que eram relevantes naquela época.

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Através dos comentários, por exemplo, descobrimos que a escuna Ghost é inspirada na Sophie Sutherland, igualmente aparelhada para a caça de focas, na qual London embarcou em 1893, nela vivendo por sete meses. O objetivo da caça era obter pele de focas, um artigo valioso no Séc. XIX.

E Wolf Larsen foi inspirado no capitão Alexander McLean, de Cape Breton. Sua coragem e habilidades controversas são lendárias e serviram de matriz para a construção do nosso protagonista.

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Eu era Hump, camaroteiro na escuna Ghost. Wolf Larsen era meu capitão, Thomas Mugridge e os outros eram meus companheiros e eu estava recebendo demãos da mesma tinta que cobrira todos eles.

Em suma, recomendo que você aprecie este livro com calma. O Lobo do Mar tem uma história tão grandiosa, profunda e perigosa quanto o oceano em que nosso protagonista se encontra. E como já era de se esperar, todo cuidado em alto mar é pouco. A gente sempre sai mudado. :)

O Lobo do Mar foi cedido pela Editora Zahar ao Pipoca Musical por conta da parceria. Acompanhe as novidades da editora nos canais:
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Ficha Técnica

Título: O Lobo do Mar
Autor: Jack London
Ano: 2013 (original: 1904)
Editora: Editora Zahar
Páginas: 368
Skoob: adicione o livro na sua estante
Compre: Zahar

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Comentários

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9 comentários via blog

  1. Mariana Ribeiro comentou em

    quero esse livro agora mesmo! eu não sabia que tinha uma edição nova, eu li uma bem velha que peguei na biblioteca do colégio, mas agora fiquei curiosa com os comentários no livro e tal. acho que vou me dar de presente de natal. adorei as fotos, raquel, parabéns! beijo

    1. Oi Mari!

      Essa edição ficou incrível, vale a pena, viu! Já valeria só pela capa, mas os comentários estão sensacionais. ;)

      Beijo.

  2. Ronaldo Soares comentou em

    Gosto tanto desse livro que não vejo problemas em ler de novo ainda mais nessa edição linda. Já vi livros com capas parecidas, deve ser da mesma editora então. Muito bacana mesmo, e as fotos estão incríveis. Abraços,

    1. Se os livros com “capas parecidas” que você fala é tipo Rei Arthur, Contos de Fadas, Peter Pan, sim, são da mesma editora. Gosto muito do trabalho deles, são muito caprichosos com acabamento e procuram trazer um adicional pros livros – na maioria dos casos, os comentários e os prefácios super interessantes.

      Beijo! :)

  3. Renata Gaspar comentou em

    Oi Raquel, achei seu blog pesquisando justamente por esse livro e não tive como não deixar um comentário. Não é só a sua opinião sobre o livro que ficou muito legal e relevante, mas também seu cuidado com as fotos da postagem. Pelo que naveguei no site, é uma marca sua e deixo meus parabéns. Sobre a crítica, obrigada por não postar apenas a sinopse – essa a gente já conhece. Parabéns pelo pensamento crítico em cima das histórias.

    Agora com relação ao livro, sou fã dessa história há anos, já a utilizei como exemplo nas minhas aulas e me senti muito feliz quando essa edição comentada chegou nas livrarias. Acabei de encomendar o meu pela internet.

    Acho que é isso, parabéns de novo pelo seu blog, você ganhou uma fã. Vou voltar mais vezes.

    1. Oi Renata! Nem sei como agradecer esse comentário! Muito, muito obrigada pelo feedback, são comentários assim que me fazem manter o blog e acreditar nos diferenciais dele. :)

      SObre o livro, ele é excelente e com certeza pode ser utilizado em aulas de literatura, filosofia, até história se duvidar, hehehe. Queria que meus professores tivessem se puxado pra trazer coisas assim pra sala de aula. :’)

      Beeeeijo grande, obrigada pela visita!

  4. Não conhecia essa história, achei fascinante!
    Pipoca Musical sempre resenhando livros muito bons! :)
    Adorei!

    1. Obrigada, queriiiiida. Me apaixonei muito por O Lobo do Mar. Levei um tempão pra ler, não queria que acabasse! <3 Muito legal, indico. :)

      Bjsss!